No Antigo Testamento existem cinco livros que são chamados proféticos por conterem poesias em seu conteúdo, são eles Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares ou Cântico dos Cânticos. Desses, três são classificados como livros sapienciais ou de sabedoria: Jó, Provérbios e Eclesiastes (na bíblia católica ainda são incluídos nessa categoria os livros Eclesiástico e Sabedoria).
A Poesia Hebraica
Na poesia hebraica (é bom lembrar
que o Antigo Testamento foi quase que integralmente escrito na língua hebraica)
existe uma característica peculiar que se chama paralelismo. Os versos não
possuem necessariamente rimas como a poesia ocidental moderna que normalmente conhecemos,
mas eles têm uma relação entre si que pode ser de três formas: antitética,
sinônima ou sintética.
O texto do livro de Provérbios que iremos analisar neste post possui uma relação sinonímica, ou seja são duas sentenças que apresentam esse tipo de relação. O texto é o seguinte: “Pela misericórdia e pela verdade, se expia a culpa; e pelo temor do SENHOR os homens evitam o mal.” (Pv. 16.6).
A princípio pode parecer difícil
entender onde encontramos os sinônimos nesse texto, mas um olhar atento
perceberá que existe essa relação de paralelismo entre as expressões “pela
misericórdia e pela verdade” e “pelo temor do Senhor” e também entre “se expia
a culpa” e “evitam o mal”.
Um dos motivos da beleza e da
profundidade desse texto encontramos justamente na forma em como ele foi
construído, por isso é muito importante sabermos que não podemos ler a bíblia
como se toda ela fosse escrita em um único gênero literário. Para
compreendermos bem o significado do texto bíblico, dentre outros requisitos,
precisamos também respeitar o gênero literário do livro bíblico que estamos
lendo, não podemos, por exemplo, ler um livro poético como se fosse um livro
histórico, ainda que contenha algumas informações históricas nele.
Atributos
É fácil perceber que os termos
misericórdia e verdade nesse verso não se referem aos atributos do Senhor, mas se
referem ao homem, pois Deus não possui culpa para expiar. Se observarmos também
o capítulo 16 desde o início fica claro que o autor está se referindo ao ser
humano.
O texto então está revelando que
o temor do Senhor é expresso por meio de atitudes de misericórdia e verdade com
o outro e não simplesmente por oração e contemplação, mas que por ação de
misericórdia e verdade em direção ao outro é que se expia a culpa e evita o
mal, ou seja, se evita o pecado e seu salário de morte (Rm. 6.23).
Esse ensinamento era importante na época em que o livro de Provérbios foi escrito (e ainda o é hoje)...
Mas o texto não está de forma
alguma relacionando a salvação com as obras, e sim confirmando o ensinamento
bíblico de que o temor do Senhor produz necessariamente obras, pois como diz
Tiago a fé sem obas é morta (Tg. 2.17) e tais obras (de misericórdia e verdade)
devem ser direcionadas ao outro, ao próximo, pois “Se alguém disser: Amo a
Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a
quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê.” (1Jo. 4.20).
Esse ensinamento era importante
na época em que o livro de Provérbios foi escrito (e ainda o é hoje) pois era
comum as pessoas acharem que apenas através das cerimônias religiosas era
possível se chegar a Deus e obter o perdão. Porém o próprio Senhor Deus
afirmou, “Pois, misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus,
mais do que holocaustos.” (Os. 6.6) E bem sabemos que é o amor que cobre a
multidão de pecados (1Pe. 4.8).
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